Com as mudanças na legislação, eles ganham personalidade jurídica e poderão ter direito a instrumentos como habeas corpus; modificado, PL voltará à Câmara
O Senado aprovou nesta quarta-feira um projeto de lei que reconhece os animais como seres sencientes, ou seja, dotados de natureza biológica e emocional e passíveis de sofrimento. Até agora, de acordo com o artigo 82 do Código Civil (Lei 10.402, de 2002), eles são considerados bens móveis, equivalentes a objetos.
Por ter sido modificada no Senado, a matéria retornará para a Câmara dos Deputados e, se aprovada, vai ao presidente Jair Bolsonaro para sanção ou veto.
Artistas e ativistas da causa dos animais estiveram no Senado para acompanhar a votação. A ativista Luisa Mell e as atrizes Paula Burlamaqui e Alexia Dechamps visitaram o presidente da Casa, Davi Alcolumbre, para pedir a aprovação do projeto.
Ele começou a ser gestado há pelo menos seis anos, na Câmara, com texto do deputado Ricardo Izar (PP-SP) e teve a participação de 30 comissões regionais de Defesa dos Animais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
O projeto estabelece que os animais passem a ter natureza jurídica como sujeitos de direitos despersonificados. O texto também acrescenta dispositivo à Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998) para determinar que os animais não sejam mais considerados bens móveis para fins do Código Civil (Lei 10.402, de 2002).
— É um avanço civilizacional. A legislação só estará reconhecendo o que todos já sabem: que os animais que temos em casa sentem dor e emoções. Um animal deixa de ser tratado como uma caneta ou um copo e passa a ser tratado como ser senciente — disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente (CMA), lembrando que a ciência também já confirmou esse entendimento.
Se aprovada a lei, os animais passarão a ter uma personalidade jurídica e poderão, por exemplo, receber habeas corpus ou outros instrumentos legais úteis para sua proteção.
— É a construção de uma sociedade mais solidária com seus animais. O principal ponto filosófico da lei é afastar a ideia utilitarista que a sociedade construiu acerca dos animais. Vamos reconhecer, enfim, que o que os difere do ser humano é racionalidade e comunicação verbal. No mais, eles são como nós mesmos — afirma Ana Paula Vasconcellos, advogada do Fórum Nacional de Proteção e Defesa dos Animais .
Ela acrescenta que a lei será um mecanismo para pleitear na Justiça mais direitos aos bichos.
— Hoje, quando vou para uma audiência de maus tratos, preciso sensibilizar o juiz e, embora haja jurisprudência para entender que os animais sentem, na letra fria da lei, eles são coisas.
Vaquejada não será afetada pela lei
O senador Randolfe Rodrigues destacou que a nova lei não afetará hábitos de alimentação ou práticas culturais, mas contribuirá para elevar a compreensão da legislação brasileira sobre o tratamento de outros seres.
Randolfe acatou uma emenda apresentada dos senadores Rodrigo Cunha (PSDB-AL), Major Olimpio (PSL-SP) e Otto Alencar (PSD-BA) que exclui as manifestações culturais — como a vaquejada — e a atividade agropecuária do alcance do projeto.