Com quase 5 mil cães abandonados, adoções crescem em Montes Claros

Grupos de cuidadores independentes mobilizam pessoas para que ajudem.
CCZ tem realizado castrações e vacinações; ONGs estão superlotadas.

A perspectiva nacional de abandono de animais assusta. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que no Brasil existam mais de 30 milhões de animais nas ruas das cidades. Destes, 20 milhões são cachorros. Nos grandes centros, a estimativa da OMS é de que para cada cinco moradores, haja um cão, e 10% destes animais estão abandonados. Em Montes Claros, a população canina chega a 60 mil, de acordo com o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). Quase 5 mil cachorros vivem nas ruas, o que representa 7% desta população.

Mas, infelizmente, conforme diz o coordenador do CCZ, Edvaldo Freitas, o número pode aumentar, e a responsabilidade é da população. “As pessoas compram e adotam cachorros e se esquecem de que eles são seres vivos, não objetos. Por qualquer dificuldade que aparece na hora do convívio, abandonam os animais. Como essa época é de muito carrapato, os donos soltam os cachorros na rua, ajudando a proliferar a doença; simplesmente os descartam”, diz.

O coordenador faz alerta para a importância da conscientização na hora de se criar qualquer tipo de animal. “O cuidado é complexo, é preciso que se leve no veterinário, os medicamentos são realmente caros, por isso criar um animal exige planejamento. As pessoas aceitam um ser vivo em casa, mas na primeira chateação soltam. Cão solto na rua gera problemas. Aumenta a leishmaniose, os riscos de acidente de trânsito, o risco de que os cachorros agridam pessoas, e até o número de atropelamentos dos cachorros cresce”, argumenta Edvaldo.

A questão da proliferação da leishmaniose é uma das mais graves. De acordo com o CCZ, dois óbitos por leishmaniose ocorreram em Montes Claros em 2016. “Duas pessoas morreram pela doença, inclusive uma criancinha de 5 meses. É a vacinação que pode prevenir que mais óbitos aconteçam, por isso estamos cuidando disso”, afirma o coordenador do centro.

Em junho deste ano, o CCZ retomou os processos de castrar, vacinar e vermifugar os cachorros de rua. Um cadastro através de chip eletrônico também é feito, mas esses animais são devolvidos para as ruas por falta de terem onde ficar.

“Por força de lei que proibia o CCZ de prender animais sem vacinar, castrar e vermifugar, só conseguimos retomar o processo de apreensão este ano, em junho. A legislação fala que cão deve ser castrado, microchipado, vermifugado e vacinado. As apreensões de cachorro acontecem nas segundas e terças. Nas quartas eles são encaminhados às clínicas, onde ficam em período de pós-operatório; quinta, sexta, sábado e domingo. Se, neste prazo, não aparecer ninguém, eles são devolvidos na mesma região em que foram apreendidos”, explica.

O CCZ tem parcerias com as ONGs, mas a maior parte delas estão lotadas. Em entrevista ao G1 sobre as instituições que cuidam e curam os cachorros, a dona de casa Márcia Valadares explicou a situação da Apelo Canino, ONG da qual faz parte. “Nós recebemos, no mínimo, 30 chamados por dia. Não conseguimos chegar a atender 10% dos casos. Atualmente, são 79 cachorros morando no abrigo, e, enquanto as pessoas não adotarem, não podemos abrir vaga para outros”, explica Márcia.

O grupo existe formalmente desde 2010, mas atua em prol da causa há pelo menos oito anos. Ela é uma das fundadoras e se dedica a ser cuidadora. São mais de 20 pessoas associadas, e, ainda assim, a instituição não consegue atender toda a demanda. A Apelo Canino já conseguiu um terreno para expandir as instalações, e a expectativa é de que a capacidade de acolhimento aumente.

Edvaldo reconhece a importância das instituições enquanto mobilizadoras, e sabe que os gastos são altíssimos, tanto para as ONGs quanto para o município.

“Temos parcerias com as ONGs, mas todas estão abarrotadas de cães. Os gastos enormes e a falta de estrutura não colaboram, e ainda assim as pessoas têm feito muito. Cada vez mais, protetores tratam de animais, até quando não têm local para acolhê-los, levam ração para as ruas. A gente tem se reunido com frequência para discutir o que fazer. Na ultima reunião, discutimos a possibilidade de atender os cães dos cuidadores, que são de rua, na parte cirúrgica. Uma castração para fêmea custa R$ 230 e para macho R$ 180, fora vacinação e outros gastos”, conta o coordenador do CCZ.

Rede independente de voluntários

A servidora pública Graziela Souza se tornou cuidadora e mãe de muitos filhos bichos. Dá para acreditar que ela já ficou com nove cachorros em um apartamento? Resgatou todos muito doentes, alguns foram se curando e conseguindo outros lares, já outros não resistiram às doenças das ruas.

“Hoje eu estou com três cachorros, mas cheguei a ter nove. Peguei todos em situação muito crítica. Sabia que ninguém mais ia querer, e aquilo me cortava o coração. A gente fica pensando em como ajudar de alguma forma. Como peguei cachorros em situação muito difícil, ninguém adotou, e foram ficando comigo mesmo. O objetivo era cuidar e por para adotar, mas alguns não consegui. Falta consciência e há muito preconceito, porque quando estão doentes ninguém adota”, observa Graziela.

A servidora explica que há várias maneiras de ajudar, ainda que a pessoa não possa acolher um animal em casa. “A pessoa pode dar ração, pagar tratamento, por vasilha de água e ração na rua, compartilhar postagens de quem ajuda. Não é desculpa não ter dinheiro ou não ter espaço. As pessoas só querem cachorros de raça, se ficarem doentes jogam fora. Tem tanto cachorro na rua, e isso acontece é porque alguém jogou fora. Tem solução, mas tem que correr atrás”, afirma.

Ela faz parte de uma rede de protetores independentes. São vários grupos que sequer têm nome. É uma forma de pedir ajuda, espalhar solidariedade. “Cada um age por conta própria. Eu, assim como outros, temos grupos individuais. Não tem grupo organizado, com nossos próprios salários contribuímos com o que dá. Não existe uma ajuda, organização, nada. Só vontade de ajudar os animais”, explica Graziela.

Caroline Diniz é jornalista, e também colabora com a rede de cuidadores. Ela já tem o Bob há um ano e meio. A relação dela com a Graziela começou quando, antes do Bob, ela havia adotado um cãozinho cego e, mais tarde, descobriu que ele tinha leishmaniose. Por ter criança pequena, ela não pode acolhê-lo, mas as duas trocaram de cachorro. Graziela cuidou do bichinho e Caroline ganhou o Bob.

“Peguei o Bob um pouco doentinho também, porque vinha da rua, mas eu o adotei e graças a Deus ele está bem. Depois disso, participo de grupos nas redes sociais e sempre que vejo na rua um cachorro machucado, agredido, eu procuro ajudar. Se eu não tenho condições, eu pego e falo com o pessoal, mando foto, descrições e peço ajuda para levar ao veterinário. Um ajuda com consulta, outro ajuda com ração, outro busca com carro, outro empresta a caixinha pra transportar”, conta Caroline.

Uma clínica veterinária localizada no Bairro Melo, em Montes Claros, tem colaborado com a rede de cuidadores. Sempre que alguém chega com a intenção de cuidar de um cachorro de rua, o dono e veterinário, Engelbert Veloso, cuida com todo carinho e chega a dar 70% de desconto em procedimentos cirúrgicos e internações. Foi por amor a causa que ele e a esposa decidiram oferecer ajuda.

“Nós decidimos fazer isso por amor aos animais. Minha esposa também é veterinária e nós decidimos que usaríamos a profissão para sermos solidários também. Às vezes levamos um pouco de prejuízo, mas resolvemos abraçar a causa. Além de ser gratificante, é uma maneira de evitar a disseminação de doenças e procriação descontrolada”, argumenta.

O casal também tem cachorros resgatados. Atualmente, são cinco. A vontade que os clientes têm de ajudar é percebida por ele pela maneira como se comportam. “É muito claro quando chegam pessoas com animais recém-resgatados. Elas chegam desesperadas, querendo ajudar. A gente acaba que entra junto na emoção. Acaba ultrapassando o profissional também e acabamos fazendo o possível para recuperar os animais e dar uma vida digna para eles”, diz o veterinário.

Fonte: G1 Grande Minas