Por Carlos Eduardo Rios do Amaral*
Por força de nossa legislação vigente, os animais em geral são classificados pelo Direito Civil como bens móveis, na categoria dos semoventes, sendo-lhes aplicável a mesma disciplina dos bens móveis por sua própria natureza: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (Art. 82, do Código Civil).
Entretanto, o proprietário do animal – assim como de qualquer outro bem móvel ou imóvel – não possui poderes absolutos e ilimitados sobre a coisa. Encontra na Lei contenções e restrições ao uso, gozo e disposição de sua propriedade.
Esclarece o Código Civil que: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (§1º, do Art. 1.228).
Destarte, a preservação da fauna, ou seja, a proteção e cuidado ao bem móvel animal é uma condicionante legal expressa ao direito de propriedade de seu dono. Não se trata de uma faculdade, mas de um dever imposto ao proprietário da coisa.
E a “lei especial”, sobre a fauna, a que alude o Código Civil, proíbe terminantemente a prática de ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (Art. 32, Caput, da Lei nº 9.605/98). Impondo-se, assim, na seara civil ao proprietário do animal um dever de abstenção da prática de qualquer dessas condutas tipificadas na Lei como crime contra a fauna, seja por ação ou omissão.
Em sua parte dedicada à perda da propriedade, o Código Civil prescreve no seu Art. 1.275 que o rol ali previsto não é taxativo, salientando que outras causas consideradas neste Diploma deverão ser analisadas e sopesadas para a perda da propriedade. No caso dos animais, o disposto no retro citado §1º, do Art. 1.228, que nos remete à Lei nº 9.605/98, que, como dito, veda a prática de qualquer ato de maus-tratos aos animais.
Malgrado o texto constitucional disciplinar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Art. 225, Caput), a questão da legitimidade para o cidadão comum ajuizar ação civil para a perda da propriedade móvel animal de outrem, provavelmente esbarrará na nossa ultrapassada e estagnada legislação civil e processual civil.
A não ser pela via da Ação Civil Pública, que possui rol exíguo de legitimados (Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Público e Associações), dificilmente o Juiz de Direito aceitará a propositura de demanda cível veiculando a perda da propriedade móvel animal, por conta da prática de maus-tratos, ajuizada por pessoa física. Por mais instruída e bem documentada que esteja a petição inicial do indivíduo, mesmo com farto material probatório (p. ex., laudo veterinário), será sumariamente indeferida.
É que nosso velho Código de Processo Civil de 1973 possui duas regras clássicas, que se somam: (a) para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade; e, (b) ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
Poderia se argumentar que o citado dispositivo da Constituição Federal (Art. 225, Caput) é mais que eloquente e expresso ao outorgar ao cidadão o direito de promover a tutela do meio-ambiente, aí incluída a propositura de ações judiciais individuais na defesa da fauna e flora. Mas não é assim que as coisas funcionam na prática em nossos Fóruns e Tribunais.
Em verdade, a ausência de legislação ordinária federal específica versando sobre o tema, acaba por imobilizando o Poder Judiciário, que não encontra artigo de lei que autorize expressamente o cidadão comum a bater às suas portas, mediante ajuizamento de ação cível individual, para salvar um animal de maus-tratos ou de risco iminente.
Se já houvesse essa autorização a nível infraconstitucional, os próprios Juizados de Pequenas Causas (Especiais Cíveis) poderiam se encarregar dessas demandas cíveis. Exigindo-se apenas a prova pré-constituída do ato de abuso, omissão, maus-tratos, ferimento ou mutilação ao animal.
Enquanto isso, na ausência de legislação específica, nossos frágeis e indefesos animais pedem socorro, vítimas de todo tipo de maldade da criatividade e arbítrio humanos. Nas redes sociais e outras mídias, o clamor público é cada vez maior para que cesse a violência contra os animais. Mas pouco pode ser feito por esses bichinhos sem que o Congresso Nacional permita, através de lei.
Pela primeira vez na nossa história democrática, em mobilização inédita, Deputados Federais e Senadores da República são eleitos prometendo defender a causa animal. Pois bem, então façam a sua parte: autorizem e legitimem expressamente cada cidadão deste Brasil a ajuizar a ação cível individual na defesa de qualquer animal que se encontre em situação de maus-tratos.
Daqui há mais quatro anos, nos encontraremos nas urnas novamente!
*Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo