Há uma batalha silenciosa no Brasil. Apesar de pouco badalada, ela é polêmica e coloca no ponto central da discussão o tratamento da leishmaniose visceral canina, doença transmitida pelo mosquito-palha que afeta homens e animais – e pode ser fatal em ambos os casos. Em janeiro de 2013, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou vigência à portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que não permitia o tratamento dos cães infectados com medicamento humano e nem importado. O acórdão veio em resposta à ação movida pela Organização Não Governamental (ONG) Abrigo dos Bichos, do Mato Grosso do Sul (MGS). Considerando que no país não existe medicamento específico para o tratamento da doença em cães, até então, os animais contaminados só tinham um destino: o sacrifício.
Contudo, a eutanásia sempre foi contestada por especialistas que garantem que a matança de cães não diminui o índice de contágio da leishmaniose, tendo em vista que o vilão é o mosquito, e é ele que deve ser combatido. Em países como a Índia, onde o protozoário envolvido é a Leishmania donovani, a leishmaniose pode ser transmitida de homem para homem, ou seja, o vetor pica uma pessoa contaminada e transmite o parasita para outra. Tipo de transmissão que não é comum em outras localidades. Nos humanos, porém, a doença é muito menos perigosa e fatal do que nos cães. A questão é que, dos 88 países do mundo onde a doença é endêmica, o Brasil é o único que ainda utiliza a morte dos animais como instrumento de saúde pública. “A leishmaniose visceral canina tem controle, tem tratamento eficaz e, portanto, não é necessário fazer a eutanásia do animal, exceto em casos específicos”, afirma o veterinário Leonardo Maciel, da Clínica Veterinária Animal Center. Isso porque, após o tratamento, o cão deixa de ser um reservatório ativo e, portanto, não é mais um transmissor.
A boa notícia é que após décadas de discussão, o grupo de pesquisas da Brasilleish, liderado pelos médicos veterinários Fábio dos Santos Nogueira e Ingrid Menz, com o apoio do laboratório Virbac, anunciou no último dia 28 de agosto que conseguiu a aprovação do Ministério da Saúde e da Agricultura para a comercialização do Milteforan, uma das drogas mais utilizadas na Europa para o tratamento da doença. O medicamento foi testado no Hospital Veterinário Mundo Animal, em Andradina (SP), com resultados eficazes. “A decisão representa um marco na medicina veterinária brasileira. Foram 18 anos da minha vida profissional com dedicação exclusiva à tentativa de dar qualidade de vida aos animais contaminados”, disse Fábio. Com a aprovação, proprietários que optarem por tratar seus cães não terão mais que importar, às escondidas e pagando um alto preço, medicamentos fundamentais para salvar a vida de seus pets.
O veterinário Manfredo Werkhauser, da Clínica São Francisco de Assis, é um dos fundadores da Brasilleish e comemora.
“Aguardamos ansiosos a comercialização da droga que já deve estar no mercado a partir de janeiro de 2017. É o que vai possibilitar o tratamento de inúmeros animais contaminados e evitar a eutanásia”.
Para a veterinária Ana Augusta de Sousa, do Intensivet Núcleo de Medicina Veterinária Avançada, a leishmaniose é uma questão de saúde pública. “A solução para o controle da endemia em Belo Horizonte e região metropolitana é uma política efetiva de saneamento básico e investimento em políticas sociais”, diz. De difícil combate, o mosquito se reproduz em locais onde existe abundância de material orgânico, como folhas, frutos, fezes de animais, entulhos e lixo, e se alimenta do sangue de humanos e animais, entre eles; a galinha, o porco e o cavalo. “Tem de existir uma união entre o poder público e a população para se criar uma nova consciência sobre o meio ambiente, recolhendo o lixo e lhe dando uma destinação adequada. Só assim a proliferação da doença poderá ser controlada”.
Reportagem G1 – Tem Notícias 1º Edição
Fique por dentro e previna-se
Leishmaniose – também conhecida como calazar, a contaminação em seres humanos e animais ocorre através da picada da fêmea do mosquito Lutzomyia longipalpis, mais conhecido como mosquito-palha ou birigui
Sintomas no ser humano – febre prolongada, perda de peso, falta de apetite e aumento do fígado e baço. Se não tratada a tempo, a leishmaniose visceral tem alto índice de mortalidade em pacientes imunodeficientes portadores de doenças crônicas
Sintomas no cão – lesões de pele, perda de peso, descamações, crescimento exagerado das unhas e dificuldade de locomoção. No estágio avançado, o mal atinge fígado, baço e rins, levando o animal ao óbito
Prevenção da doença – Fazer a retirada de qualquer tipo de material orgânico como folhas, fezes de animais, entulhos e lixo, onde o mosquito possa se reproduzir. A borrifação química é fundamental em áreas endêmicas
Prevenção nos cães – Uso de repelentes, coleira própria contra a leishmaniose, vacina específica, higienização do animal e do ambiente
Vacina – A vacina Leishtec, aliada a outros métodos preventivos, reduz a chance de contaminação do animal e enfraquece o protozoário em cães já contaminados, diminuindo a chance de transmissão
Tratamento – Inclui sessões de quimioterapia, feita por meio de medicação venal aplicada através de soro, e medicação oral. Exige o comprometimento do proprietário em seguir as orientações veterinárias à risca, com realização de checape periódico e manutenção de alimentação específica com baixo teor de proteína
Fonte: Revista Encontro